Mariana, 10 anos: famílias atingidas tentam retomar vida em novas casas, mas lamentam danos irreparáveis
Mariana, 10 anos: comunidade destruída por rompimento de barragem vira 'cidade-fantasma' Quando a lama da Samarco chegou a Bento Rodrigues, subdistrito de Mari...
Mariana, 10 anos: comunidade destruída por rompimento de barragem vira 'cidade-fantasma' Quando a lama da Samarco chegou a Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana destruído pelo rompimento da barragem de Fundão, dez anos atrás, o comerciante Mauro Marcos da Silva, nascido e criado na comunidade, não imaginava a dimensão da tragédia. "Lembro do meu pai dizendo: 'Não se preocupe, quando baixar essa água a gente lava e reconstrói tudo de novo'. Mas a gente não imaginava que era rejeito de mineração. É muito pior que água". O g1 publica nesta semana uma série especial sobre os 10 anos do rompimento da barragem da Samarco. Mostramos em que resultaram os processos judiciais que tratam do caso, a recuperação da área atingida no Rio Doce, como estão as famílias que sobreviveram e foram realocadas e a área tomada pela lama. Como está Bento Rodrigues, comunidade destruída pela lama, uma década depois Ninguém foi condenado por tragédia que matou 19 pessoas, destruiu comunidades e contaminou Rio Doce Reparação ambiental já custou bilhões, mas bacia do Rio Doce está mais pobre em biodiversidade Ao todo, 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro e sílica jorraram da barragem de forma imediata. A avalanche de lama chegou com violência a Bento Rodrigues, onde soterrou construções centenárias e provocou mortes – de plantações, animais e pessoas. Das 19 vítimas que morreram na tragédia, cinco estavam no subdistrito, incluindo duas crianças. Uma década depois, o rastro de destruição daquele 5 de novembro de 2015 permanece na comunidade. Dos mais de três séculos de história, restaram apenas destroços, ruínas tomadas por mato e casas sem portas e janelas com lama incrustada na parede, além de silêncio e memórias. Quem vivia em Bento Rodrigues nunca mais pôde voltar. "Foi o momento da virada. Minha vida desmoronou em alguns segundos", disse Mauro. Casa tomada por lama no velho Bento Rodrigues, dez anos depois de tragédia da Samarco Thâmer Pimentel/ TV Globo Foram dez anos de incertezas e mudanças. Depois do rompimento da barragem, os moradores de Bento foram levados para casas alugadas pela Fundação Renova, entidade criada para a reparação dos danos, em Mariana. O prazo para a construção de um "novo Bento" foi adiado repetidas vezes. Em 2023, as famílias começaram a receber as chaves das novas casas, erguidas em uma área a cerca de 10 km de distância do antigo subdistrito, mas para muitas delas ainda é difícil chamar o novo endereço de "lar". "Tem um mês e pouquinho que a gente mudou, mas é uma casa que ainda não tem a nossa identidade, não tem o nosso pertencimento. [...] É uma casa que foi construída com muita dor", afirmou a assessora técnica Mônica dos Santos, antiga moradora de Bento. ✅Clique aqui para seguir o canal do g1 MG no WhatsApp A costureira e dona de casa Maria Aparecida da Silva Gomes se mudou há dois anos, mas ainda tenta se acostumar. Além da saudade do velho Bento, a presença constante de funcionários da Samarco e operários na nova comunidade, que continua em obras, prejudica a adaptação. "Parece que a gente está numa casa que não é da gente. O pessoal nosso aqui do Bento está doido que terminem as obras, que o pessoal da empresa vá embora e fique só a comunidade. Para a gente levar a vida da forma mais normal possível, porque acho que normal não vai ser mais não", disse. 'Novo' Bento Rodrigues foi construído com anos de atraso Thâmer Pimentel/ TV Globo Vida era mais simples e feliz, dizem moradores A lama da Samarco nunca mais saiu também da comunidade de Paracatu de Baixo. Casas foram esvaziadas, e a escola não recebeu mais alunos. Os moradores foram reassentados em uma nova área, a cerca de 30 km de Mariana, mas a vida já não é tão simples como era até novembro de 2015. Na antiga comunidade, as famílias tiravam sustento da terra, e no novo Paracatu elas não conseguem manter plantações ou criações de animais. Outro problema são os custos para manter os imóveis. "A gente era feliz. Lá eu tinha minha sorveteria, minha casa, onde plantar. Tinha galinha, tinha tudo. Lá nós estávamos em área rural, hoje estamos em área urbana. A conta de luz é cara, o IPTU é caro, lá a gente nem pagava IPTU, porque os terrenos eram passados de geração para geração", falou o presidente da Associação dos Moradores da Comunidade de Paracatu, Romeu Geraldo de Oliveira. Escola em Paracatu de Baixo coberta por lama dez anos depois Raquel Freitas/ g1 A aposentada Vera Lúcia da Paixão passa a maior parte do tempo sozinha – dois dos três filhos só encontraram trabalho na sede de Mariana. A maior saudade dela é a plantação da antiga casa que teve que abandonar. "Lá eu tinha cana, horta, fruta. Tinha banana, galinha, porco. A gente plantava, a terra era muito melhor. Aqui, não, aqui eu tenho que começar tudo de novo". ✅Mande sua denúncia, reclamação ou sugestão para o g1 Minas e os telejornais da TV Globo Danos irreparáveis A reparação dos danos causados pela tragédia, inicialmente, ficou a cargo da Fundação Renova, entidade criada pelo Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) firmado em 2016 por mineradoras e poder público. No entanto, as medidas foram consideradas insuficientes, e no ano passado um novo acordo foi assinado, no valor de R$ 170 bilhões. O montante inclui R$ 38 bilhões gastos antes da repactuação. Com esse novo documento, já homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a Fundação Renova foi extinta, e o poder público assumiu parte das obrigações que cabiam à entidade. O governo federal e os estados de Minas Gerais e Espírito Santo devem usar o dinheiro das mineradoras para investir, por exemplo, em mobilidade, saneamento básico e projetos de interesse das comunidades atingidas. Já a Samarco ficou responsável pelo pagamento de indenizações individuais, reassentamentos e recuperação ambiental. Na avaliação do coordenador-geral do Núcleo de Acompanhamento de Reparações por Desastres (Nucard), do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Leonardo Castro Maia, há danos, no entanto, que não podem ser recuperados. "Muitos danos são irreparáveis, como a perda dos vínculos comunitários. Os vínculos ficam alterados. No acordo, por exemplo, há opção de receber indenização ou não. Então, as comunidades não serão as mesmas que foram afetadas, dado também o tempo decorrido. Crianças agora já são adultos, já viveram em outra localidade de uma forma completamente diferente. Então, essa é uma perda irreparável", afirmou o promotor. Mariana, 10 anos: o caminho da lama da barragem de Fundão O que diz a Samarco Em nota, a Samarco disse que, após a homologação do novo acordo, "avançou na reparação com ações concretas", com o pagamento de R$ 14 bilhões em indenizações individuais e auxílios financeiros a mais de 288 mil pessoas. "O pagamento de indenizações individuais tem movimentado a economia dos municípios, os novos distritos estão concluídos e ações ambientais são realizadas ao longo da bacia". A mineradora afirmou que, desde a repactuação, investiu R$ 19,5 bilhões em obrigações próprias e repassou R$ 10,9 bilhões ao poder público e às instituições de Justiça. Desde 2015, os valores gastos com reparação totalizam R$ 68,4 bilhões. Em relação aos reassentamentos, a empresa declarou que concluiu 100% das obras iniciadas antes do novo acordo, nos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu, entregando 389 construções. De acordo com a Samarco, seis imóveis adicionais, definidos pelos moradores após a homologação do documento, estão em execução. "Nos dois novos distritos, a vida comunitária tem se fortalecido de maneira consistente, com um calendário regular de festividades, celebrações religiosas e tradições culturais. O cotidiano é movimentado pelos equipamentos públicos em funcionamento, como as escolas públicas, e pelos negócios dos próprios moradores. Há oferta de serviços, com 57 estabelecimentos comerciais", afirmou a mineradora. Relembre a tragédia Números da tragédia da Samarco em Mariana Arte/ g1